quinta-feira, 7 de julho de 2011

Atenção aos vulneráveis

Bo Mathiasen
Muito se tem falado sobre o crack. A droga está cada vez mais presente nas ruas. A preocupação dos governos para entender os efeitos, os fluxos da cocaína e do crack é crescente. Uma questão, no entanto, vem recebendo pouca atenção. Trata-se da vulnerabilidade dos usuários de crack ao HIV e a outras doenças infectocontagiosas como tuberculose, hepatites e infecções transmitidas sexualmente de um modo geral.

No final dos anos 80 e início dos 90, o Brasil foi protagonista no desenvolvimento de estratégias inclusivas ao promover ações de redução de danos entre usuários de drogas injetáveis, que então constituíam um dos grupos mais vulneráveis à transmissão do HIV por via sanguínea. O resultado foi um decréscimo de 72,6% do número absoluto de casos de Aids associados ao uso injetável de drogas entre 1996 e 2006. Foi necessário que o enfoque não fosse a droga, mas o usuário. Hoje, o país enfrenta um novo desafio: a vulnerabilidade dos usuários de crack.

Surgido nos anos 80, o crack é um derivado da cocaína, com alto poder de criar dependência e que apresenta consequências devastadoras para a saúde do usuário. O baixo custo da pedra, comercializada às vezes por apenas R$ 5, faz com que qualquer pessoa tenha acesso à droga.

Diferentemente de outras substâncias, o consumo problemático do crack é diário e ocorre até o esgotamento físico, psíquico ou financeiro do usuário. Os usuários de crack consomem em média entre 6 e 10 pedras por dia e, quando em grupo, compartilham o “cachimbo” e até mesmo a fumaça para economizar no consumo da droga.

Pedro Chequer 
Estudos demonstram os fatores de vulnerabilidade dos usuários de crack em relação ao HIV: práticas sexuais sem proteção, associadas a um número elevado de parceiros; a troca de sexo por dinheiro ou mesmo pela droga; o baixo nível de instrução dos consumidores; a substituição do uso exclusivo pelo uso de múltiplas drogas; e a baixa imunidade colocam o usuário em situação ainda mais vulnerável.

Esta relação com a droga, potencializada pela situação de rua, tem tornado o usuário de crack alvo de estigmatização, preconceito e marginalização, fragilizando todos os laços sociais que poderiam oferecer alternativas.

Dados demonstram as proporções que o problema pode atingir. Na década de 90, estudo realizado em Nova York evidenciou a alta prevalência de HIV entre mulheres usuárias de crack — 21% delas eram soropositivas.

Outro estudo, também realizado nos anos 90, em Houston, nos Estados Unidos, com usuárias de crack que apresentavam comportamento sexual de risco mostrou altas taxas de infecções sexualmente transmitidas: 11,3% positivas para HIV; 14,9% para sífilis e 53,3% para hepatite B.

Já no Brasil, um estudo publicado em 2004 sobre o comportamento de risco de mulheres usuárias de crack em relação às DSTs/Aids revelou uma prevalência de 20% para o HIV.

A vulnerabilidade dos usuários de crack ao HIV e a outras doenças infectocontagiosas como a tuberculose e as hepatites é evidente. Os estudos e a própria experiência mostram que é preciso agir rapidamente para evitar a propagação dessas doenças entre os usuários de crack.

As vulnerabilidades associadas ao uso do crack demandam o desenvolvimento de novas estratégias e de métodos de prevenção do HIV, da tuberculose, das hepatites e outras DSTs.

Nessa perspectiva, é importante a implementação de estratégias cientificamente fundamentadas para o equacionamento do problema. O estabelecimento de serviços que disponham de equipe qualificada, nos quais o acolhimento e o respeito ao paciente, não como mero cliente ou usuário, mas como cidadão, devem ser aspecto intrínseco da rotina estabelecida. Por outro lado, serviços e ações que efetivamente apresentem cobertura de abrangência nacional e de acessibilidade compatíveis.

Os tempos mudaram, o perfil do uso de drogas mudou, os desafios são outros, mas o objetivo deve ser o mesmo: prevenir e reduzir o consumo de drogas e minimizar os riscos e as vulnerabilidades à saúde de usuários por meio de serviços de atenção integral.


BO MATHIASEN é representante do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) para o Brasil e Cone Sul. PEDRO CHEQUER é coordenador do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS) no Brasil.


Por: Bo Mathiasen e Pedro Chequer
Fonte: O Globo
Data: 6 de Julho de 2011
Envida por: Kleber Fábio

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