segunda-feira, 28 de novembro de 2011

30 anos da descoberta da Aids


 
"Quando eu era menor, éramos (os homossexuais) chamados de depósitos de Aids". A frase de impacto que, nos dias de hoje, causa espanto e indignação é dita por quem descobriu a soropositividade em uma época em que o HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) era uma sentença de morte. Quando Wélinton Silva (nome fictício) recebeu o diagnóstico positivo para o vírus, fazia 18 anos que o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos havia registrado o primeiro caso da doença, em junho de 1981.

Foi um ano após a descoberta que a enfermidade recebeu o nome provisório de "doença dos 5H", referência à primeira letra dos nomes dos grupos onde foram encontrados o vírus inicialmente: hemofílicos, haitianos, heroinômanos (usuários de heroína injetável), 'hookers' (como são chamadas as prostitutas em inglês) e os homossexuais. No mesmo ano, a doença é renomeada e passa a se chamar definitivamente de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids, na sigla em inglês). Porém, os meses em que permaneceu o nome provisório foram suficientes para perpetuar a ideia pré-concebida a qual Wélinton fez referência.

Trinta anos após a descoberta do vírus no mundo, o integrante da Rede Nacional de Pessoas que Vivem com HIV não carrega mais sobre os ombros esse conceito disseminado pela maioria da sociedade à época. De 1998 a 2010, foram notificados 7.541 casos de Aids entre jovens heterossexuais do sexo masculino, enquanto os casos da doença entre jovens do sexo masculino que são homossexuais somaram 7.188 notificações, uma diferença de 353 casos.

No Pará, a diferença é ainda maior. No período de 1985 a 2010, foram registrados 1.128 casos de Aids entre os homossexuais, enquanto que, no mesmo período, 4.216 heterossexuais foram diagnosticados com a doença. "Hoje os homossexuais são os que mais usam preservativos".

A afirmação de Wélinton é fundamentada nas experiências como orientador e disseminador da importância do uso do preservativo, trabalho que desenvolve em várias regiões do Estado. Com a voz sempre viva e com um sorriso no rosto, ele dedica parte de sua vida para transmitir informação e apoio às pessoas, soropositivas ou não. "Nós tentamos fazer o trabalho de levar às pessoas um ato de apoio e de carinho", explica. "Eu já tirei duas pessoas do buraco. Um estava no Barros Barreto (Hospital Universitário) e a família não sabia mais o que fazer para ele comer e se divertir. Eu ia todo dia conversar com ele e hoje ele está bem e é meu amigo".

Apesar da alegria que contagia os que estão por perto e que lhe possibilita ajudar outras pessoas, a vida de Wélinton nem sempre foi tão animada. A história que antecede sua contaminação pelo vírus e a falta de informação após a descoberta fez com que, durante muito tempo, ele questionasse o próprio futuro. "Eu pensava que ia morrer 'amanhã'".

HOJE
O primeiro tratamento mais eficaz contra o HIV foi desenvolvido apenas 20 anos após a descoberta do vírus e ajuda a aumentar a expectativa de vida de milhares de pessoas. Pioneiro na distribuição dos medicamentos, conhecidos popularmente como coquetel, o Brasil foi o primeiro país a disponibilizar os remédios de forma gratuita, em meados de 1996.

"Morrer de Aids hoje é exceção", ressalta o médico infectologista Lourival Marsola. "Nós tivemos alguns ícones que morreram de Aids como, Rock Hudson, Cazuza, Fred Mercuy, Renato Russo, e que hoje, provavelmente, estariam vivendo bem com o tratamento".

Apesar do aumento da expectativa e qualidade de vida, o tratamento do HIV depende de mudanças de comportamento e cuidados específicos e redobrados. O acompanhamento médico é constante. Com o uso do medicamento, é preciso deixar de lado a bebida alcoólica e o cigarro; relação sexual, só com preservativo. "O tratamento é para a vida toda", lembra Marsola. "São medicamentos que controlam, mas não erradicam o vírus. A pessoa que descobre o vírus no início e tem o acompanhamento adequado tem uma vida próxima do normal. Digo isso porque a pessoa tem que ir ao médico frequentemente".

TESTE
Como lembrado por Marsola, todos os benefícios conquistados com o tratamento atual podem ser prejudicados se o vírus for diagnosticado tardiamente. Diferente do período em que o HIV foi descoberto, hoje é possível fazer o diagnóstico de forma imediata. Desde março de 2006, no Brasil, o diagnóstico da Aids pode ser realizado com apenas uma furada no dedo, dispensando a atuação de profissionais especializados e de equipamentos de laboratório. "A possibilidade de vida normal é grande, mas, para isso, as pessoas precisam perder o medo de fazer o teste".

A relação de medo intenso estabelecida com a Aids, porém, ainda é muito grande. Independente da quantidade e qualidade da informação recebida pela pessoa que acaba de se descobrir soropositiva, a primeira reação, na maioria das vezes, é de resistência. "Ainda está muito presente na mente das pessoas que o HIV é uma sentença de morte, porque é uma doença que não tem cura. O tabu é muito grande", analisa a psicóloga que atua com pessoas portadoras do vírus, Rita Paranhos. "No início, a pessoa fica muito receosa, mais por medo de ser rejeitada do que por medo de infectar outras pessoas".

A percepção de manutenção da vida vem somente após o primeiro estágio, identificado pela rejeição e, posteriormente, o de culpa. Segundo Rita, é somente quando a pessoa começa a perceber por si só os elementos que envolvem o tratamento da Aids hoje, que ela consegue seguir com uma vida normal. "Com o tempo, as pessoas que fazem o tratamento percebem que passam meses sem adoecer e começam a pensar 'eu não estou tão mal assim'", afirma. "A partir dessa conscientização de que é preciso se preservar para conseguir viver bem, a pessoa começar a fazer o que deveria ter feito antes".

Sociedade teve que mudar
Assunto antes tratado apenas entre quatro paredes, com a Aids, a sexualidade passou a ser tema corriqueiro em unidades de saúde, escolas, na sociedade. Segundo o antropólogo Romero Ximenes, a mudança comportamental da sociedade após a descoberta da Aids foi pressionada pela necessidade de se discutir abertamente as formas de transmissão. "Apesar de tudo, a Aids teve um papel quase civilizatório porque teve como consequência a desmistificação da sexualidade".

Hoje, qualquer pessoa está exposta ao vírus, independente de serem solteiras, casadas, homossexuais ou heterossexuais. Vulnerabilidade que, segundo Ximenes, provocou alterações nas relações íntimas. "A versão moralista inicial advinda com a epidemia da Aids foi a de que 'quem é promíscuo pega Aids'. Hoje se sabe que é possível contrair o vírus até em um hospital ou pela utilização incorreta de uma seringa", disse. "A Aids alterou as relações íntimas das pessoas. Atualmente, a ideia que perdura é a de que as relações só podem acontecer com anteparo sanitário, seja a camisinha ou um exame de sangue prévio".

A mudança de comportamento em uma sociedade que, segundo Ximenes, não tinha o costume de utilizar camisinha, é característica de qualquer epidemia. "Em todo momento de epidemia há mudanças de hábitos. Isso aconteceu com a tuberculose, com a peste negra, com a lepra, com a varíola... Não seria diferente com a Aids".

Aos 70 anos, a autônoma Cleucir Bouth acompanhou essa mudança gradual. "Quem tem Aids hoje já não vive tanto preconceito, eu acho. Antes as pessoas não chegavam nem perto de uma pessoa que tinha Aids, as pessoas tinham receio".

Cleucir não tem o vírus HIV, mas acompanhou o surgimento da epidemia, as notícias e conceitos que se formaram em torno da Aids e sua desmistificação. Durante um momento de sua vida, não apenas tomou conhecimento da doença, como também conviveu com um portador.

"Era muito diferente naquela época. Teve um amigo do meu filho que adoeceu e, naquela época, quase não tinha tratamento. A gente fazia coleta para comprar remédio".

Diferente do comportamento da época, hoje a senhora encara o assunto de forma mais natural, resultado da necessidade de diálogo sobre as formas de prevenção da Aids. "A minha filha conversa muito sobre isso com a filha dela, que é adolescente. Hoje é muito mais fácil se prevenir. Tem que usar preservativo".


Fonte: Diário do Pará
Enviado por: João Geraldo Netto

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