quinta-feira, 3 de maio de 2012

Terapia genética contra a aids age no corpo por 11 anos


"Só o tempo pode dizer." A clássica expressão serve para, com testes clínicos e laboratoriais, comprovar a eficácia de tratamentos contra as mais diversas doenças. É esse o caso de pesquisas com a terapia de aplicação de linfócitos T - células de defesa do corpo humano - modificados geneticamente em pessoas portadoras do vírus HIV, causador da Aids. Entre 1998 e 2002, 43 soropositivos receberam aplicações dessas estruturas alteradas com o retrovírus da doença, de modo que os linfócitos pudessem combater as células infectadas. Naquela época, ainda não se sabia quais seriam as reações do organismo a tal medida. Por isso, pesquisadores norte-americanos decidiram acompanhar esses voluntários a fim de saber como estaria a saúde deles ao longo do tempo. Os resultados foram animadores: todos estão saudáveis, sem apresentar efeitos adversos ao tratamento e, melhor, as estruturas do sistema imunológico deles continuam lutando contra o HIV.

Quem é soropositivo tem o sistema imunológico atacado pelo vírus da Aids, que destrói os linfócitos T e deixa o corpo fragilizado, correndo o risco de desenvolver os mais diversos problemas de saúde. Os linfócitos modificados geneticamente com o agente invasor, portanto, serviriam exatamente para enfrentar essa deficiência. "Comprovamos que as células imunes alteradas aumentam o poder de resposta ao retrovírus, como se fossem esteroides que melhoram a performance do corpo", exemplifica Bruce Levine, professor do Departamento de Patologia e do Laboratório de Medicina da Universidade da Pensilvânia e um dos autores da pesquisa apresentada hoje na revista científica Science Translational Medicine. As novas estruturas no corpo estimulam o sistema imunológico a atacar as células com HIV. Desse modo, torna-se mais difícil para o vírus atingir novas unidades do organismo, o que retarda a progressão do problema de saúde.

O acompanhamento também destacou que a terapia gênica se mostrou segura, já que havia o temor de que esses pacientes sofressem com leucemia ao longo do tempo. "Ocorreram estudos nos quais células-tronco do sangue foram mutadas geneticamente usando o vírus como um 'cavalo de Troia' para levar um gene para a célula. Infelizmente, essa modificação em crianças com imunodeficiência fez com que algumas delas desenvolvessem leucemia", recorda Levine. Não foi o caso dos adultos com Aids que passaram pelas aplicações de linfócitos T. Ao contrário, a saúde deles estava muito boa e as estruturas injetadas continuavam agindo de modo eficiente em 98% dos voluntários. Ainda assim, o grupo não pode abandonar o uso diário de remédios antirretrovirais.

Segundo o pesquisador, a medicação contra o HIV é um "padrão de cuidado" que deve ser mantido até que os tratamentos gênicos se mostrem eficazes para agirem sozinhos. "Como se sabe, ao serem consumidas por toda a vida, essas drogas caras têm efeitos colaterais que podem ser significativos. Por sua vez, se os pacientes não as tomam, o vírus pode se desenvolver ainda mais forte e se espalhar pelo corpo", adverte.

Psicólogo e professor do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), Mário Ângelo Silva, especialista em aids, acrescenta que os antirretrovirais também acabam sendo usados, em determinados casos, por pessoas que não têm a doença, mas são parceiros sexuais de soropositivos. "Esses remédios protegem quem não está infectado e usa Preservativo nas relações, mas têm efeitos colaterais - como náuseas, vômito, diarreia e irritação na pele - que podem abrir portas para outros problemas de saúde", alerta. Ele ressalta que esses medicamentos são muito fortes e alteram o metabolismo, motivo pelo qual os cientistas buscam cada vez mais terapias que sejam alternativas ao consumo desses produtos.

A terapia gênica e as medicações antirretrovirais, no entanto, não são as únicas medidas para fazer com que os contaminados pelo HIV tenham mais qualidade de vida. "Os tratamentos servem para manter a carga viral e dos linfócitos CD4 em níveis normais", explica o cientista Enrique Argañaraz, do Laboratório de Virologia Molecular da UnB. "Outro fator importante é evitar relacionamentos sexuais com vários parceiros, já que esse comportamento ativa o sistema imune e favorece a replicação do vírus", completa. Além disso, é necessário que o paciente pratique atividades físicas, se alimente de modo saudável e tenha uma atitude positiva ante a vida, determinam médicos e psicólogos.

Potencial
Levine afirma que ter mais uma alternativa eficaz para combater a aids traz esperanças para os pacientes. "Os linfócitos T modificados são uma iniciativa mais segura do que células-tronco sanguíneas alteradas geneticamente", garante. Argañaraz concorda que esse estudo mostra o avanço das pesquisas genéticas e que o fato de as células T terem se mantido por um longo período de tempo no organismo nos pacientes é um fator relevante. "Mas acredito que, entre as novas abordagens terapêuticas, o uso de vacinas baseadas em combinações distintas de vírus têm se mostrado mais promissor", pondera. Silva, por sua vez, crê que a análise feita na Universidade da Pensilvânia pode, sim, ser uma esperança para soropositivos. "Compreender os genes e as células permitem conhecer melhor o HIV e a função do sistema imunológico", pontua, comemorando a possibilidade de essa medida reduzir o uso de remédios e seus consequentes efeitos negativos.

"Esses linfócitos podem ajudar pacientes com câncer e outras doenças a evitar complicações e riscos de mortalidade associados aos tratamentos mais convencionais, já que, com a terapia gênica, não é necessário tomar medicações que enfraqueçam o sistema imunológico a fim de que as células novas se proliferem no corpo após a infusão - algo pelo qual pessoas com câncer precisam passar quando recebem transplante de células-tronco", frisa o cientista norte-americano. Com base nessas questões, a equipe de pesquisadores pretende ir mais fundo no tratamento com linfócitos T contra o HIV e expandir sua aplicação para tumores malignos.

Importância da prevenção
O uso de antirretrovirais e de terapias diversas não deve, segundo Mário Ângelo Silva, ser o único foco no combate à aids. É necessário continuar reforçando a educação para a saúde e as medidas de prevenção, como usar Preservativo nas relações sexuais, não compartilhar seringas e outros objetos que furam ou cortam a pele e fazer o acompanhamento clínico durante a gravidez. Nesse último caso, o cuidado serve para, se a mãe estiver contaminada, não transmitir o vírus para o bebê.


Fonte: Correio Braziliense
Enviado por: João Geraldo Netto

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